Vales de si mesmo

Retirada de: gutograca.blogspot.com
Desceu os olhos pelo dorso de suas costas, como quem analisa as curvas e tenta encontrar alguma falha. Nada viu além das formas, a profundidade dos ossos que desenham os ombros até o pescoço. Via-se refletida no espelho, ainda molhada do banho recém tomado. A boca era meio pele e meio rosa, vestígios da maquiagem da manhã de trabalho. 

Fechada, apresentava um desenho delicado e marcante. Era despretensiosa nesse olhar a si mesmo. Mas viu beleza ali. Olhar amêndoa e penetrante para dentro, querendo ver além do reflexo desnudo na toalha. O que lhe faltava? O que lhe sobrava? Pensou nas ausências e silêncios, nas lacunas que se formam com o tempo. Nas palavras que foram ditas e esquecidas; e que lhe ajudaram a moldar até ali. Era aquele estágio que chegara. 

Não sabia qual, mas era. Estava alegre e triste, ainda que em estado de felicidade. Nada conseguiu responder para aquela que lhe retribuía as indagações vindas do espelho. Deixou as respostas de lado. Nem sempre (ou melhor, nunca) são a melhor opção. Fixou nas perguntas, mas com serenidade. Ficava imaginando quem também via aquele dorso como ela o via. Ou o delineado da boca. O conjunto completo. Viam. E também nem importava como. 

Se fosse para o descobrirem um dia, descobririam.

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