Desfolhou.
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Veio o vento e desfolhou o caderno. Arrancou algumas páginas, amassou outras, virou-o de cabeça para baixo. Na verdade foi um furacão que devastou o caderno. Em seguida a chuva. Molhou as letras, diluiu a tinta vermelha, manchou os escritos. Alguns ficaram inelegíveis. Outros davam para ler assim, de longe. Depois a ventania voltou. As folhas voaram, foram embora, desgrudaram da capa. O tempo acalmou, repentinamente. Aí que o dono pôde perceber o estrago. Pegou-o com cuidado. Aquilo que ainda restava. Doeu ver a sobra de uma história. Foi o abandono que fez perder-se pelas amarras do tempo e desastres naturais. Estava frágil.
Reuniu tudo contra o peito. Fechou os olhos e os abriu rapidamente. Observou as coisas em seu colo. Costas apoiadas no muro. O céu se abria azul sobre si mesmo. Era hora de rever o caderno. Prometeu, antes de mais nada, cuidar dele. Ao longo das páginas manchadas, palavras saltavam em seus olhos fazendo-o reviver lembranças que ora aqueciam ora endureciam-lhe o coração. Frases de amor tinham tanto sentido no contexto em que foram escritas. Letras de músicas puramente inspiradas por um sentimento de paixão. Sentiu-se mais calmo.
Viu também que muitas coisas haviam enchido aquelas páginas de alegria. Mais coisas boas do que ruins. Percebeu que as pessoas descritas estavam lá porque foram verdadeiras e recordar-se delas lhe fazia feliz. Pequenos parágrafos rabiscados representavam as passagens temporárias. Não menos importantes, mas mais superficiais. Folheou, viu que não deixava espaços em branco nas primeiras páginas da vida daquele caderno. Canetas coloridas, borboletas desenhadas, pontos de exclamações por todos os lados. Em seguida, os manuscritos foram ficando escassos até chegar em folhas em branco, somente datadas. Hoje tudo era diferente. O que tinha lhe acontecido? Questionava-se como se visse tudo aquilo de fora do corpo. Não percebeu que não vivia mais, nem tampouco que perdera o gosto por preencher aquelas páginas da vida. Desejou voltar ao que era na juventude.
Ansiou muito, de todo o coração. Lágrimas amargas desceram sobre o rosto por pensar no tempo que havia se passado vivendo pela metades, pelas beiradas, no meio do caminho sem querer caminhar. Deu um basta em si mesmo e naquele torpor de nuvens cinzas. Quis que o sol abrisse de novo, iluminasse a vida de tal modo a ter forças, coragem e imaginação para colorir as novas páginas que viriam em diante. Olhou para o céu na tentativa de dialogar com Deus, ou pelo menos sentir o sorriso divino para ele. Sim, ele sabia que Deus estava feliz pela sua escolha. Levantou. O caderno estava na mão e a promessa no coração. Dias melhores estavam por vir. Sentia! E sentir era o primeiro sinal...
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