Ao som de Beethoven

Nathália Coelho


Mantinha olhos fechados. O som passeou em minha mente, caminhando por todo meu ser. Foi desbravando os labirintos internos como quem almeja um objetivo. Não poderia saber dessa intenção singular da música. Talvez fosse uma sensação normal cujo eu desconhecia. Afinal, nunca havia parado para meditar sobre a sinfonia nº 5 de Beethoven, do modo como fazia ali naquela sala acadêmica. De repente, parou no coração e sorriu. As notas musicais foram dando forma às minhas ideias. Um portal se abriu aos pensamentos e, do nada, já não estava mais na aula de estética, na faculdade.

Diante dos meus olhos, apreciava um lindo descampado europeu do século XVIII. As flores amarelas batiam em minha canela, corria contra o vento. Meus cabelos longos encaracolados balançavam assim como as saias do meu vestido. Era uma camponesa. Os panos em tom marfim e rosa salmão meio molhados marcavam meu corpo.  Havia acabado de lavar roupa. O espartilho também acentuava minha fina cintura. Parecia fugir de algum lugar. Nos lábios, um sorriso ainda sem motivo. Segurava firmemente um bilhete em minhas mãos. Acompanhei a cena. De longe via a aquela figura tomada pelas minhas feições num século que não era o meu, num corpo que não me pertencia.

Cheguei ao centro de uma cidade. Comerciantes vendiam frutas no caminho. Caixeiros viajantes peregrinavam pela estrada de ladrilhos a procura de compradores. Parei de correr. Cobri meus cabelos com o véu amarrado na cintura e caminhei desconfiada até um beco próximo dali. Sentia meu coração acelerar ao passo de mim mesmo camponesa. Era como se o coração dela estivesse nesse ritmo. Uma onda de calor invadiu minha espinha, um frio na barriga que contorcia. Estava indo para um lugar mais afastado. De súbito parei e pude ver, um jovem rapaz de aparência nobre me esperava.

Corri ao seu encontro. Suas vestes eram azul marinho. Vários botons circundavam as ombreiras do casaco. No dedo, um anel de ouro com um brasão familiar. Nós nos abraçamos. De longe, sentia as mãos quentes nas minhas costas. Foi então que um beijo aconteceu. Quis encará-lo, ver seus olhos, saber quem era. Conhecia? A imagem borrava! Não conseguia. No minuto seguinte, beijou minhas mãos, afagou meus cabelos e jurou amor eterno. Teve que ir embora. Abaixei minha cabeça com tristeza. Pude ouvir minhas palavras: ‘Quando você vai voltar?’ Ele respondeu, ‘Breve’. Sorri. Levantei a cabeça. Era a hora! Ia reconhecer finalmente seu rosto.

No momento dos olhos nos olhos, fechei os meus com o baque do som de Beethoven na minha cabeça. Segurei-me no muro ao lado. Quando levantei, ele já havia partido, e eu, corria novamente ao sentido contrário. A música foi ficando mais forte, a imagem foi se esvaindo, perdendo a cor, o formato. (...) Acordei repentinamente.

Sala de aula. A sinfonia chegava ao fim e a estranha viagem do meu inconsciente também. Meu corpo estava cansado, minha respiração ofegante. Recompus-me na cadeira para os colegas não perceberem. A mil, minha mente procurava encontrar respostas para aquilo que tinha acontecido. Tinha a nítida impressão de que presenciei um encontro de amor proibido. E pior, eu era a protagonista. Outra vida? Não sei. Talvez sim. Uma experiência intrigante, no mínimo. Não mais prestei atenção à aula. Aquela imagem ficou latente em mim. Pelo sim ou pelo não, algo dizia que aquilo havia acontecido. Quis forçar a situação para descobrir a identidade do meu par. Em vão. O jeito era esperar a próxima viagem, se é que existiria. 

Comentários

  1. Ai Nathh... Vc deveria escrever um livro!
    Sua escrita é maravilinda! =P
    Bjusss

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