Desabafo em movimento.

- Sabe, ando precisando sair mais.
- É mesmo? Agora a senhora vai pra onde?
- Vou ali perto do Pátio Brasil. Mas ando desgostosa das coisas. Quando eu era nova, gostava de sair, me vestir bem. Era um prazer escolher uma roupa diferente todos os dias. Eu era bancária. Então sempre tive que andar na linha. Agora não, ninguém liga para uma velha. É isso que sou.
Silêncio.
- Mas a senhora está elegante!
- Achou, minha filha? Mas isso aqui não é nada. A elegância estava na minha juventude. Eu era linda. Viva! Ria, me divertia. Hoje ando sozinha pelos cantos. Me responde. Por que o marido da gente tem que morrer? 
- Ele era mais velho que a senhora?
- Não. Mais novo oito anos. Mas me fez esse favor ingrato! Morreu numa viagem. Fiquei sabendo dois dias depois, para receber só o corpo. Foi vivo, voltou morto. Parece que foi infarto. Isso não podia acontecer! Não eram meus planos. Agora, ele me deixou sozinha.
- Já tem quanto tempo?
- Nove meses.
- E a senhora tem filhos?
- Tenho dois. Mas não moram comigo. Um vive aqui na Asa Norte e outro em Taguatinga. Mas só vão me ver em dia de festa. Você só existe pra sua mãe no dia das mães, no natal ou na páscoa, menina?
- Não...
- Pois é. Sou sozinha. E não como a solteirice de muitos anos atrás, quando eu estava descobrindo o mundo, fazendo amigos, saindo depois do trabalho. Outras coisas te preenchiam. Hoje não tenho ninguém. E meu marido ainda fez o favor de morrer antes de mim.
- E a família da senhora...
- Mora no Pará. Dois irmãos que ainda tenho. Tem anos que não os vejo. Brasília me adotou e um dia gostei muito dela. Hoje me deu a frieza de uma vida sem cor. 
- Não fica assim... Desculpa. Mas tenho que descer. Fica bem.
Ela sorriu e abanou as mãos. O ônibus parou e eu fui trabalhar condoída por aquela senhora. 
(...)
Ainda faltavam cerca de sete minutos de viagem quando meus olhos por detrás dos óculos escuros a viram se aproximando do coletivo, passando na roleta e sentando ao meu lado. Era senhora mais velha, na casa de seus 60 anos. Fina e elegante, vestia uma camisa em tom de rosa, os cabelos loiros e expressão firme. Havia algo nela que tentava brilhar, mas por alguma circunstância, a luz tinha se ofuscado. Os olhos caminhavam perdidos por aquele ambiente de transporte. Talvez procurando alguém que pudesse ouvir sua conversa, tão íntima e necessária. Deitei minha cabeça no vidro, e, confesso, fechei-me por um instante. Em vão, de repente a voz doce começou a falar perto de mim. E eu a ouvi.

Comentários

  1. Nathália é dessas que finge que tá dormindo pra não conversar com senhoras de idade no ônibus. HAHAHAHAHAHAHAHAHAHA.

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