Sábado de plantão

A pauta era um homicídio na Asa Norte. Enquanto o policial não chegava, um João de Barro nos fez companhia. Estava trabalhando, assim como nós. Em seu bico carregava terra e matinho para o alto da copa da árvore, cujo as folhas reluziam ao sol - verdes como nunca - apesar da fumaça de Brasília. Ao observar a vida, eu buscava uma notícia de morte. 
Quem morreu foi um rapaz de 26 anos, João José de Brito, na noite de ontem, com um tiro no braço. Oriundo de Planaltina, havia deixado sua casa para construir uma nova moradia na invasão da L3, próximo a UNB. O irmão informou ao agente que ele era casado e não usava drogas. A polícia também confirmou: sua ficha era limpa. Mas como isso não é prerrogativa para assassinatos, dois homens armados chegaram ao assentamento num monza preto. Contra ele, dispararam um tiro certeiro. A vítima jazeu sob as estrelas. 
João José pegou uma lona e construiu um abrigo na beira do asfalto. Pela manhã, o João de Barro pegou a terra e construiu sua casa no alto da árvore. João José devia ter seus motivos para querer largar o seu antigo canto e se abrigar na rua. Infelizmente, ainda os desconheço. A polícia também. Sua morte chegou a noite. 
João de Barro, cuidadoso, já tinha erguido duas casas na mesma árvore onde construía a terceira. É o seu ofício. Sua natureza o fez assim. E ele não questionou, aceitou na simplicidade. Afinal, João é pássaro e não precisa ter preocupações com suas asas. Elas já estão prontas. E a vida chegou, como todos os dias, ao amanhecer. 
Já João José devia estar preocupado com as suas asas. Por isso, as bateu e foi embora. Dois dias depois veio alguém e as podou, para sempre.
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Comentários

  1. Enquanto uns caminham para a morte, outros continuam vivendo até que o dia do último suspiro. Adorei a percepção, misturar tragédia com beleza...
    Não é atoa que é o meu ORGULHO!!!

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  2. Que visual bacana do seu blog!!! Adorei seu texto também....

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  3. Nádia, seu comentário pra mim vale ouro. Muito obrigada! Higor, que lindo o que vc disse. Obrigadão!!!

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  4. Nath, quanta coincidência e contradição, ein?! Dois João, cada um num extremo da vida. Em pensar que seus caminhos iam ao encontro um do outro. Triste. E que crônica, que associação, que reflexão! Adorei =D

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  5. Davi! Verdade, que associação alegre triste. Obrigada pelas palavras...

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