Falemos da ausência de amor, falemos sobre Louise
Por Nathália Coelho
(Publicado originalmente no blog do Grupo de Pesquisa Epistemologia do Romance, o qual eu faço parte)
Estava na Universidade de Brasília na noite da última quinta-feira. Assim como Louise e outras tantas mulheres. Cumpríamos nossos papeis sociais, num território (via de regra) democrático e de fomento à formação do ser humano. Estávamos ali porque acreditamos (via de regra) que a educação pode modificar o homem. E pensando assim tudo é cor-de-rosa. Mas aquela quinta-feira descoloriu o cenário. Também o desmontou. E veio para reafirmar que nem todas as coisas são como aparentam ser.
Enquanto eu tomava um açaí depois da aula, Louise era obrigada a ingerir uma substância tóxica que lhe tiraria a vida. Eu sorria, descontraída. Louise não teve tempo nem de chorar. As lágrimas ficaram embargadas em detrimento ao gesto cruel e frio do seu algoz. Eu peguei meu carro e o dirigi para casa. Louise, já falecida, foi colocada dentro do seu próprio carro e levada para um matagal. Eu deixei a água do chuveiro correr em meu corpo antes de dormir. Louise recebeu as chamas acesas no torpor da insensatez do seu colega de curso, talvez amigo, com maiores intenções da parte dele, mas não da dela. E essa foi a sua sentença de morte: não o querer.
No outro dia, eu acordei. Louise não. Eu fui novamente à UnB estudar e acabei encontrando colegas jornalistas cobrindo o fatídico fim dessa história. Assim que soube, um pedaço de mim foi junto com Louise. Sobrou questionamentos, perturbação e medo. Sobrou muitas coisas, enquanto a ausência fazia morada no assassino, de fina fala, ao confessar sua sequência de vazios na delegacia.
Louise, mulher, foi condenada pelo sentimento que não correspondeu. Morreu porque a privaram de uma escolha que deveria ser simples e meramente humana e nada tem a ver com a educação compartilhada pelo homicida. Louise não teve culpa nenhuma, mas ainda assim tornou-se protagonista de uma tragédia. Anunciada, se pensarmos de forma pregressa e em toda a luta feminina ao longo do tempo. Em termos de gênero e coração, não há camada/classe social que impeça a violência. Louise, aluna da federal de Brasília e moradora da Asa Norte, é vítima tal qual Jane Carla, de Samambaia, morta na tarde de sábado pelo ex-namorado que não aceitava o fim do relacionamento.
Não há universidade que ensine a lidar com os vales interiores. Nem tampouco com as confusões de valores nos dias atuais, apesar de ser palco para discussões. Não há vestibular que consiga medir o grau de preconceito do outro, nem tampouco as dificuldades de convívio social. Entre vales e valores, a cultura do machismo reina e acaba desaguando em situações de horror como essas. Digo machismo porque é na raiz do olhar desigual que nasce a noção de “direito”, no âmago de quem o pratica, de se apropriar da vida alheia e escaloná-la em uma régua imaginária de valores.
Não, as coisas não devem ser assim. Vinicius deveria ter parado no momento que ouviu o “Não” de Louise. Vinicius deveria ter compreendido que era egoísmo demais aprisioná-la em seu mundo. Vinícius, se amasse Louise, deveria ter deixado ir. E deveria ter aprendido com a negativa. Vinicius deveria ter se colocado no lugar dela. E tudo isso seria evitado. Mas é impossível querer que este movimento – de se projetar na dor da existência do outro – aconteça quando a própria sociedade impõe limites na igualdade.
É impossível acreditar que as coisas serão diferentes, se anterior à ideia de homem e mulher, não se levantar a bandeira do ser humano. Por muito tempo negligenciado, foi formando-se sob as diversas camadas que lhe impediam a busca de si mesmo, como prioridade. O caminho turvou-se e, sem entender sua precariedade primeira, nunca conseguiu compreender o seu próximo. Os romances modernos trouxeram à tona esse ser e têm ajudado o mundo nessa autorreflexão.
Encarar-se só deveria ser prerrogativa para entender-se incompleto, finito, vulnerável. A minha nudez é motivo para que eu contemple as mesmas dificuldades no outro, e me solidarize, e respeite a sua luta individual. A minha humanidade requer que eu assuma meus atos, que eu me melhore, que eu construa algo sólido em mim. E não ataque o meu semelhante, mas o ajude. Disseram que Vinicius ligou para Louise dizendo que ia se matar. Louise foi ao seu encontro, auxiliar (sabe-se lá como) num resgate. Mas não recebeu o mesmo em troca. Qual a saída dessa inversão completa, onde pares já não se reconhecem?
Falemos de amor. Que nada tem a ver com poder ou dominação sobre o outro, mas sobre si mesmo. O amor é primeiro em mim. E se solidifica quando eu procuro entender-me, sem vitimismo. Sem atribuir as mazelas próprias da minha condição humana à fatores externos, sejam quais forem. Encontro esse amor no processo natural - porém extremamente complexo - de viver. Só o amor e seus sentimentos afins podem desvendar os olhos para essas questões.
Louise poderia ser qualquer uma de nós. Também poderíamos ser Jane Carla. E elas estariam vivas se não fosse a ausência de amor dos assassinos. Que a busca de si mesmo aconteça verdadeiramente entre a gente. Que se valide qualquer movimento em prol dos direitos humanos, sobretudo os das mulheres. Que o feminismo traga à baila, cada vez mais, a discussão sobre a necessidade de amor e respeito ao feminino. E que extremismos sejam banidos. Que o respeito ao outro seja ensinado no berço, e que as pessoas consigam sair de seus pântanos individuais antes que se afoguem e levem a vida de tantos outros juntos, espalhando sofrimento e mais obstáculos na vida.
Essa é a luta do mundo. Essa é a nossa luta.
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