Cheiros - Parte 3: Limpeza
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O dia continua como de costume. Um pouco de TV, outro de internet, um monte de preguiça no sofá. Daqui alguns minutos sei que vou ter que levantar para ajudar na arrumação da casa. O balde, cheio de água e um limpador que remete o cheiro a buquê de flores, aguarda ao lado da porta, para então ser espalhado sobre o taco de madeira. No banheiro o aroma é de eucalipto, uma planta que nunca vi, mas sempre soube da existência. Limpeza. Ah! Essa palavrinha transcende para outros momentos de minha vida. Primeiro a pequena garota passeia pelas dependências da escola de freiras. Baldes grandes estão espalhados ao longo dos corredores. Escovões fazem desaparecer a sujeira dos sapatos. O líquido usado pelas moças da faxina parece leite, visto a consistência e a cor esbranquiçada. Com alguns coleguinhas, me aproximo para ver. Sinto cheiro de bosque pós chuva, terra molhada... Ao centro do pátio, paro um momentinho para observar Nossa Senhora na fonte enfeitada de flores. A água salpica a imagem. A luz do sol bate nas gotinhas e transforma a cena em algo sereno e divino. Eu sorrio, dou tchauzinho à Mamãe do céu e me uno à fila para voltar à sala. A madre toca o sininho andando apressada no meio das crianças. Agora a menina está em casa. Subiu quatro lances de escada, no segundo andar de um prédio em Taguatinga. O pai chegou do trabalho e trouxe peixinhos para o aquário. É uma alegria só! A mãe está na cozinha. Um cheirinho de desengordurante preenche o ambiente. Eu não sei o nome, mas entendo que minha mãe está tirando as manchinhas do fogão com aquele produto do vidro verde escuro. Em seguida ela junta-se a nós e me pega no colo. Suas mãos ainda cheiram limpeza e me aninho mais em seus braços... Mudança na idade. Uma adolescente apaixonada espera o namorado. Para que o tempo passe mais rápido, limpa a casa com esmero. A residência é a terceira moradia desde a separação de seus pais. À época, o fato contabiliza sete anos. O irmão menor, cheio de graça, atrapalha o serviço doméstico. Uma linha de irritação corta-lhe a boca, não suficiente, entretanto, para quebrar o clima de descontração. Por meio do DVD e TV a voz em poesia de Nando Reis e os Infernais invade o ambiente. O grupo canta em um luau na praia. O rodo vai e vem pela sala, debaixo dos móveis. A mesinha do telefone e o cesto de revistas estão sobre o sofá. A música é tão penetrante que paro para cantar, fazendo o cabo de microfone. Dou um show para mim mesmo. Para um instante e me agacho para torcer o pano. Flores do campo! Perfume que dá vontade de abraçar. Aroma cítrico, mas suave. Quero tomar banho com essa água! Um riso espontâneo brota dos lábios com a sandice inoportuna. Estou com o corpo coberto de suor. E de fato preciso ir para o chuveiro, recompor as energias. Mas só depois. Falta limpar a poeira dos móveis. Aspirar o sofá. Descer tudo que está sobre as camas. Comer alguma coisa e entrar no Orkut. Orkut?!?! Viagem findada. Aterrissei no hoje. Na tela do computador vejo a página do Facebook aberta.
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