O silêncio e a crueldade.
O poderoso Chefão |
Dos seus olhos escorrem fel incolor. A visão seca de lágrimas há anos. Toda a crueldade é revestida pela imponência que lhe é imposta por sua condição financeira bem sucedida e nunca acabada. Mesmo em meia idade ainda continua buscando melhores empregos incansavelmente. Estranha, mas aceitável ambição desmedida. Em seio familiar alheio, ri alto e de forma sarcástica, ao contar os episódios da longa vida. Sua presença impõe certo medo, como se qualquer movimento em falso pudesse quebrar aquela atmosfera da bolha egoísta em que vive. É rei. E mesmo soltando palavras e pequenos gestos para amenizar essa imagem, orgulha-se dos outros lhe tratarem assim: "com respeito."
Uma sombra lhe reveste a feição austera. A presença denota tempestade e relâmpagos invisíveis caem enquanto assiste um programa banal na TV. O 'Bom dia' é seco, o 'como vai?' é recheado do nenhum interesse em saber de fato a resposta, se essa é simples. Mas caso venha com um 'passei no vestibular em uma Universidade Pública', ou 'sou servidor público de tal instituição', aí sim. Sorri satisfeito. 'Esse presta, ou pelo menos está fazendo por onde.' Afinal, em sua mente tem preconceitos bem definidos. Com o dedo aponta: 'Esse vai se dar bem na vida'. 'Esse outro é um ninguém'. 'Aquele ali não vai longe'. 'Acolá, se vê outro coitado'.
Come bem, muito bem. Mas nem todo mundo sabe cozinhar como ele gosta. E quando não o fazem, reclama. Cheio da razão. Faz-se prestativo quando necessário. Mas só conversa com quem lhe convém. Julga às claras. E desdenha com o olhar. Não faz esforços para gostar. E por pouco, briga e manda, grita e xinga. Orgulha-se de ser assim. Acumula bens e amizades. As últimas, pela imponência do conviver. Quando se trata de festa, gosta de esbanjar. E mostrar aos outros que tem, que pode. Carinho não é palavra para se usar com a família. O olhar fala nesses casos. E o toque é de longe, bem de longe.
Vai à igreja. Porque tem religião e deveres a cumprir com Deus, como ir à Sua casa aos domingos, feriados santos, natal e ano novo. Lá, emudece ao irmão do lado. Mas fala manso com o sacerdote e pode até convidá-lo para um churrasco. Consegue ser caridoso quando tem vontade e necessidades. É dos antigos, que entende família como uma obrigação. Por isso, não deixou nada faltar. E sempre deu demais, coisas materiais.
Há ausência de amor, pelo menos aquele que é escancarado. Até tenta elogiar, mas não é bom em juntar as palavras. Talvez seja o motivo de guardar tantas coisas para si. E acumular pensamentos, memórias, amantes, desejos. Tudo que deveria ser compartilhado. Guarda muito dele e não tem espaço para os outros. Dos seus olhos de fato escorrem fel incolor. Mas em algum momento de sua história, deve ter escorrido lágrimas também, antes do árido terreno da seca tomar conta.
Por determinado motivo desconhecido para os outros e internalizado para si, o encanto pela vida deixou de fazer parte da sua pupila. Talvez uma ruptura brusca nos anos de menino, quem sabe uma violação nos direitos de viver a infância. Uma cobrança exasperada na adolescência, ou um amadurecimento forçado fora da cidade de origem. De repente foi uma briga mal resolvida com o pai, ou a ignorância no modo como as palavras eram ditas. Ninguém vai saber. Ás vezes nem mesmo ele lembra o que lhe transformou em uma máquina de lançar ferpas e espinhos.
Um dia, o caminho lhe mostrará: o fel incolor que insiste em transbordar dos olhos vai cair em sua boca. E a amargura causada na vida de outrem vai lhe afetar a alma. Tal qual o golpe de uma lança será a dor do passado. Mas isso só vai acontecer um dia. E se esse dia chegar. Vai que no meio da estrada, ele decida respirar e se livrar de tudo que pesa. Despojar-se de si e preencher-se pela partilha do outro. Aí dos olhos escorrerá água cristalina enfim.
Come bem, muito bem. Mas nem todo mundo sabe cozinhar como ele gosta. E quando não o fazem, reclama. Cheio da razão. Faz-se prestativo quando necessário. Mas só conversa com quem lhe convém. Julga às claras. E desdenha com o olhar. Não faz esforços para gostar. E por pouco, briga e manda, grita e xinga. Orgulha-se de ser assim. Acumula bens e amizades. As últimas, pela imponência do conviver. Quando se trata de festa, gosta de esbanjar. E mostrar aos outros que tem, que pode. Carinho não é palavra para se usar com a família. O olhar fala nesses casos. E o toque é de longe, bem de longe.
Vai à igreja. Porque tem religião e deveres a cumprir com Deus, como ir à Sua casa aos domingos, feriados santos, natal e ano novo. Lá, emudece ao irmão do lado. Mas fala manso com o sacerdote e pode até convidá-lo para um churrasco. Consegue ser caridoso quando tem vontade e necessidades. É dos antigos, que entende família como uma obrigação. Por isso, não deixou nada faltar. E sempre deu demais, coisas materiais.
Há ausência de amor, pelo menos aquele que é escancarado. Até tenta elogiar, mas não é bom em juntar as palavras. Talvez seja o motivo de guardar tantas coisas para si. E acumular pensamentos, memórias, amantes, desejos. Tudo que deveria ser compartilhado. Guarda muito dele e não tem espaço para os outros. Dos seus olhos de fato escorrem fel incolor. Mas em algum momento de sua história, deve ter escorrido lágrimas também, antes do árido terreno da seca tomar conta.
Por determinado motivo desconhecido para os outros e internalizado para si, o encanto pela vida deixou de fazer parte da sua pupila. Talvez uma ruptura brusca nos anos de menino, quem sabe uma violação nos direitos de viver a infância. Uma cobrança exasperada na adolescência, ou um amadurecimento forçado fora da cidade de origem. De repente foi uma briga mal resolvida com o pai, ou a ignorância no modo como as palavras eram ditas. Ninguém vai saber. Ás vezes nem mesmo ele lembra o que lhe transformou em uma máquina de lançar ferpas e espinhos.
Um dia, o caminho lhe mostrará: o fel incolor que insiste em transbordar dos olhos vai cair em sua boca. E a amargura causada na vida de outrem vai lhe afetar a alma. Tal qual o golpe de uma lança será a dor do passado. Mas isso só vai acontecer um dia. E se esse dia chegar. Vai que no meio da estrada, ele decida respirar e se livrar de tudo que pesa. Despojar-se de si e preencher-se pela partilha do outro. Aí dos olhos escorrerá água cristalina enfim.
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