Do retrovisor.

Foto retirada do skamix08.webnode.com.br

Do retrovisor eu vejo sonhos. Vejo rostos cansados de um dia inteiro de trabalho ou a alegria nos olhos de quem curte uma música no engarrafamento. Vejo um homem refletindo e olhando para o horizonte enquanto as cinzas e a fumaça do seu cigarro saem pela janela onde a mão esquerda está pendurada. 

Do retrovisor vejo óculos de sol variados, vejo maquiagens desgastadas e bocas vermelhas ou sem nenhuma cor. Vejo jovens na tenra idade e também senhores de barba branca. Vejo mulheres maduras conduzirem seus veículos sedan calmamente pela estrada, sem se preocupar com as buzinas, dedos ou xingamentos. Vejo semblantes carrancudos, assimétricos pela raiva da fila de carros parada. Vejo a impaciência. Vejo a agonia. 

Do retrovisor tenho a visão restrita ao olhar de outro alguém. Dos olhos devaneio sobre a vida que o espelho me refletiu. Ponho-me a querer desvendar aquela alma que está atrás de mim e me fez fitar-te. Vai carregada de preocupações e vitórias, de resignação e explosões de certo. Uns pra mais, outros pra menos. Precisa chegar em casa por um motivo especial, deseja dormir. Vai para um happy hour e não tem hora pra voltar. Está correndo para o hospital para visitar um parente doente. Vai ao shopping pagar uma conta ou comprar. Deve correr para a Igreja, uma reunião, um encontro, qualquer coisa. 

Do retrovisor vejo alguém que não me enxerga, mas consegue ver quem está atrás dele. Será que ele se pergunta também? Vejo o rosto pintado de alaranjado pôr-do-sol, o céu azul, as nuvens que se fundem nesse entardecer. A feição fica mais branda. O que ele esconde dentro do carro? Quais são seus segredos de vida? 

Do retrovisor me vejo ao ver outrem. Sei também que alguém está me vendo, avaliando e julgando. Tentando me enxergar. Daqui eu faço mesmo. Querendo ler as linhas da novidade, do desconhecido, devaneando sobre a vida sendo vivida fora de mim. 

Do retrovisor vejo sonhos, só enquanto estou parada no sinal ou no engarrafamento. A velocidade impede a calma do encontro, cessa a profundidade da análise, ofusca a visão, promove o individualismo. O movimento devagar contraria o mundo, alivia a respiração, permite o olhar ao outro com mais atenção. 

Do retrovisor eu vejo. E tenho espaço para querer enxergar. Isso é bom!

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