Fragmentos
Salvador Dalí. Galatea of the Spheres. 1952. |
Não mais tinha controle sobre o vestido que, àquela altura da noite, já estava com as alças largas sobre os ombros e a barra suja do líquido ardente derramado no chão. Os amigos tornaram-se vultos e a luz cegava suas entranhas. Ouvia de longe vozes rindo e discutindo política. Bocas mastigavam os aperitivos esparramados sobre a mesa da cozinha. As mãos suavam e o riso falso não conseguia disfarçar a confusão mental causada pelas bebida de uvas e a vodca de mais cedo. A cabeça pendia de dor, mas moralmente sentia-se confortável até então. As mágoas sofridas na semana anterior valiam aquela hora bastarda. O sofrimento causado pelo ex a corroía silenciosamente durante o cotidiano. Trabalhava ressentida e em resignação. Enfrentava o sol com a garganta engasgada. Só debaixo do edredom revelava-se a lástima transformada.
Cansara. A sexta era o momento de extravasar. Reuniu-se com os seus. Riu da vida, fez chacota da situação. Embebedou-se pela primeira vez. Não queria saber do amanhã, nem tampouco do hoje. Perdeu-se em pensamentos contraditórios. Na verdade estava ausente. E a ausência tem dessas coisas. Por um momento se esquece quem é, de onde veio e os princípios. O buraco negro causado pela negação de sentimentos e abandono é como um vulcão em erupção de indiferença, ceticismo a todos e a si mesmo. Caiu sem forças sobre o sofá. Mal enxergou os amigos lhe tirarem os óculos, desabotoar as sandálias e jogar um cobertor sobre o seu corpo. Quis vomitar. Foi levada até o banheiro. O gosto quente e ácido de vinho enojou a boca. Lavou o rosto e voltou a deitar. Acordou três horas depois. Caminhou cambaleando até o banheiro de novo. Ouviu os mesmo sons vindo da cozinha. Apoiando-se na pia, deu uma olhada em seu rosto. Enxergou um espectro de gente. Chorou. Estava aos poucos recobrando os sentidos. Estava péssima, um caco humano. Quis se esconder. "Mais!?", pensou. Já estava encolhida num canto de suas entranhas sem forças para acordar e viver novamente desde que o bendito lhe deixara.
Chamou a amiga dona da casa. Pediu para ir embora. Ela a levou. Chegou na sua residência assombrada com a própria ideia de degradação. Que situação!Tomou uma chuveirada e deitou. Mal conseguiu conversar com Deus. Lembrou-se do pai dizer sobre os "irmãozinhos" espirituais que se aproximam da gente para sugar a energia negativa. Pela primeira vez em uma semana, pensou em si e não no outro. Adormeceu.
Acordou com o estômago bronqueando de dor. A pele estava impregnada de ressaca e culpa. A cabeça e a consciência doíam. De longe, bem longe sentia-se aliviada como esperava estar. Fugir não diminui os problemas. Ela já sabia, mas precisava passar por aquilo. Afinal, sempre dizem que é melhor se arrepender pelo que fez do que pelo não feito. Mas nem pensava nesse ditado. Só sabia que para aquela escuridão vivida não queria mais voltar. Estava em fragmentos espalhados dentro de si e pela casa. Nos sapatos, nas roupas sujas, nos óculos cheio de marcas de dedos, nos brincos diferentes, no esmalte estragado. Via-se derretendo aos poucos. Os cacos do interior a feriam. Por dentro quebrou-se.
Precisava de luz. Fechou os olhos e deixou o sol forte brilhar sobre ela. Entendeu que ela era a única capaz de reunir-se novamente. Não por meio da bebida e esbórnia. Efemeridades! Deveria recolher como cuidado o que machucava num processo lento, mas duradouro. Rever as peças do quebra-cabeça. Limpar o terreno. Lidar com a perda amando a si mesmo, e não se acabando mais ainda. Por ora, para ser inteira, necessitava do silêncio. E assim o fez.
(...)
Chamou a amiga dona da casa. Pediu para ir embora. Ela a levou. Chegou na sua residência assombrada com a própria ideia de degradação. Que situação!Tomou uma chuveirada e deitou. Mal conseguiu conversar com Deus. Lembrou-se do pai dizer sobre os "irmãozinhos" espirituais que se aproximam da gente para sugar a energia negativa. Pela primeira vez em uma semana, pensou em si e não no outro. Adormeceu.
Acordou com o estômago bronqueando de dor. A pele estava impregnada de ressaca e culpa. A cabeça e a consciência doíam. De longe, bem longe sentia-se aliviada como esperava estar. Fugir não diminui os problemas. Ela já sabia, mas precisava passar por aquilo. Afinal, sempre dizem que é melhor se arrepender pelo que fez do que pelo não feito. Mas nem pensava nesse ditado. Só sabia que para aquela escuridão vivida não queria mais voltar. Estava em fragmentos espalhados dentro de si e pela casa. Nos sapatos, nas roupas sujas, nos óculos cheio de marcas de dedos, nos brincos diferentes, no esmalte estragado. Via-se derretendo aos poucos. Os cacos do interior a feriam. Por dentro quebrou-se.
Precisava de luz. Fechou os olhos e deixou o sol forte brilhar sobre ela. Entendeu que ela era a única capaz de reunir-se novamente. Não por meio da bebida e esbórnia. Efemeridades! Deveria recolher como cuidado o que machucava num processo lento, mas duradouro. Rever as peças do quebra-cabeça. Limpar o terreno. Lidar com a perda amando a si mesmo, e não se acabando mais ainda. Por ora, para ser inteira, necessitava do silêncio. E assim o fez.
(...)
é isso.
ResponderExcluirexatamente isso!
gostei muito, Nathália.
;)
Obrigada, Bianca!!
ExcluirContinue acompanhando! ;)
Olá Natália, tudo bem? Meu nome é Rafaela, de BsB, sou criadora de um projeto interativo chamado TROCANDO LÂMPADAS (http://www.trocandolampadas.com/), que possui várias sessões: fotos, imagens em movimento, ilustrações, micro textos. Gostaria de te convidar p/ conhecer o nosso site, especificamente a sessão de micro textos: SHORTHINGS (http://www.trocandolampadas.com/shorthings/) E se te interessar, fique a vontade pra nos enviar micro pensamentos, estórias, coisas da vida!
ResponderExcluirO site é aberto!
Obrigada!
ABS