Da greve.
- Você não consegue ver a histeria?
- Mais que isso, eu sinto. - Suspiro. - estamos vivendo tempos sombrios.
- Tudo que está acontecendo só reflete o lugar que temos habitado.
- Qual?
- Qualquer um, menos o de ser humano.
- O modo como estamos lidando com a falta de insumos que entendemos como básicos, como a gasolina, por exemplo, revela o tamanho do nosso individualismo.
- A sociedade já não pensa como um todo...
- Não. Nem como um todo, nem no outro nem em si mesmo. Estamos apenas vivendo sem buscar a raiz dos nossos objetivos. Com olhos vendados. Isso deve ser fruto do presente. E ao mesmo tempo um problema que se arrasta pela história.
- Tenho pra mim que há uma desconexão básica: da gente com o nosso próprio coração. Sentir é coisa de gente fraca. E só pela sensibilidade para que os nossos olhos encontrem o do outro.
- Solidariedade é coisa de gente sem ganância.
- Coisa de acomodado sem ambição.
- Tudo é oportunidade de passar a perna, de fazer comércio, de usufruto do dinheiro.
- Dinheiro, dinheiro, dinheiro.
- Será que ninguém pensa que uma hora a gente vai morrer, cara?
- E de que valeu a vida, se não pelos momentos que passamos em família, com os amigos, com nossos filhos...
- Há quem pense, ainda bem.
- É aí que finco a minha esperança.
- Mas é difícil, sabe. Também não vou julgar.
- Tudo na vida precisa de equilíbrio.
- Sim...
- Mas numa hora dessas, o lado humano deveria falar mais alto que o material.
- E o foco tem sido no material...
- O trabalho não pode parar.
- Nem a produção.
- A rotina de geração de renda muito menos.
- Por isso, salve-se quem puder.
- Mesmo que isso exija ir contra nossa própria indignação em relação aos preços. A nossa paz...
- Pois é... Não deveria ser aí a diferença?
- Nós mesmos nos autossabotamos.
- Não sabemos o que queremos.
- Você sabe?
- Olha, só posso te dizer que quando a terapeuta vem com a pergunta: "Porque você está agindo assim?"
- Você nunca sabe responder.
- De prontidão não.
- Te entendo muito... estamos desconectados.
- Se não consigo responder isso para uma coisa pequena da minha vida, quem dirá para os problemas sociais.
- A gente entra no fluxo e vai vivendo como dá.
- Mas é preciso pensar...
(Texto escrito na época da greve dos caminhoneiros, em abril/maio de 2018.)
(Texto escrito na época da greve dos caminhoneiros, em abril/maio de 2018.)
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