Bares de quinta

É noite de quinta feira. Em um bar de classe média alta da cidade, homens e mulheres entram e saem do estabelecimento. Não cessam, nem parecem descansar. Estão elétricos tal qual um fio solto de um poste derrubado por um motorista fora de si.

Nas mesas, grupos entoam conversas acaloradas por goles de álcool em variadas misturas. As cores e criatividade impressionam. Garçons passam correndo entre os finos corredores que se formam junto às cadeiras arrastadas. É desfile de bandeijas recheadas de petiscos e líquidos embriagantes. A música toca em uma toada só e a tantas da madrugada ninguém mais pensa em ouvir a voz do cantor que ecoa emudecida pela confusão instaurada. 

Homens e mulheres. Homens e homens. Mulheres e mulheres. Não importa. O movimento dos corpos é o mesmo. Todos parecem exalar alegria por fora. Quase um êxtase em espetáculo nesse picadeiro cujo ninguém imagina fazer o papel do palhaço. Não. Ali só existem homens e mulheres inteiros, de bem consigo mesmo, brindando a vida e o fato de serem livres e auto-suficientes. 

A vaidade encorpora nos saltos altos, maquiagens carregadas, camisas e calças de marcas famosas, bolsas que custam o valor de um carro. A soberba também recai sobre aqueles que passam oito sofridas horas trabalhando e, para estar dentro da roda se pintam tal qual os anteriores, mas com imitações mais em conta da Feira dos Importados. Há ainda aqueles que a juventude deu a primeira batida na porta e agem como se a visitante fosse hóspede antiga. Vão e ficam por conta de chegar em casa sabe lá quando e como. Ostentam um papo recheado de malícia e vontade de nada.

Sobre a mesa dessa pseudo juventude, baldes de gelo repletos de destilados e água de coco. Há troca de beijos e de casais. Encaradas descaradas como laser em busca do alvo. Grupos exalam fumaça de nicotina da boca e se transformam em artistas em meio à nuvem de tóxicos, solta no ar e inspirada para os pulmões. A vida e suas frivolidades. É importante tê-las, mas não concebê-las como fim de uma caminhada... Ah! Mas a noite corre como se não houvesse outras noites, outras coisas, outros sabores, somente outros.

Ali, naquele bar, é a hora do meu espetáculo individual. Vou me fazer por fora. Vou me mostrar para os outros. Vou procurar a aparência do outro para então me apegar à sua superficialidade e cobrar, nos próximos dias, a profundeza de uma relação que já nasceu rasa, e até talvez sofrer por isso. Ou não. Ali é o momento dos prazeres, de fazer do meu corpo palco do que a noite reservar e a mente, entorpecida, autorizar. Enquanto isso, o coração permanece amordaçado e preso num calabouço da minha escuridão. Convivo com os demônios do ser solitário e brindo com eles o meu fracasso, que ainda não descobri ser fracasso.

Depois, já em casa, o silêncio vai esmagar o peito. O coração, agora solto, vai bater descompassado, como marteladas. O corpo vai tremer e, de tanto preencher o lado de fora, vou sufocar com o vazio de dentro. E murchar sozinho, num escuro quarto. Vou me questionar porque me sinto assim, acumulando tantas coisas, comprando tudo que quero, frequentando tantas festas e realizando fantasias. Tenho tudo e a sensação é de nada. Posso até me emputecer com Deus. Ah é! Deus... lembrei Dele. E daí vou adormecer e acordar, burlando o peso da existência. Mais tarde curo isso, com mais hedonismo, consumismo, ismo, ismo, ismo, ismo...

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